Acontece-me, recorrentemente, conversar com pais que se queixam do quanto deram aos seus filhos, do quanto se sacrificaram, do quanto desistiram dos seus projectos e de agora, com os filhos já crescidos, adultos, e com os seus próprios filhos, continuando a estar sempre disponíveis para eles e para os netos, sentem que não existe retorno. Sentem que os filhos não os tratam como gostariam de ser tratados e como sentem merecer ser tratados.
Apetece-me dizer que o passado já passou e que apenas nos serve como aprendizagem. Que todos nós, sem exceção, fazemos o melhor que podemos, em cada momento, com os recursos que temos e ainda que existe sempre (SEMPRE!) uma intenção positiva por detrás de cada acção ou decisão.
Será que estes filhos que muito receberam, que receberam tudo o que os pais tinham para dar de tempo e disponibilidade estão a ser egoístas, desleais?
A minha resposta sincera é: Não sei, não faço ideia. Acredito mesmo que só com os dados da introdução acima nem eu, nem os pais podemos tirar conclusão nenhuma sobre o que se está a passar. Podemos formular apenas hipóteses que, ao no-las colocarmos, podem promover aprendizagem sobre a nossa intenção enquanto seres humanos e também como pais.
Imaginem que um pai ou uma mãe estiveram em todos os momentos, ao longo dos últimos 30 anos, completamente disponíveis para os seus filhos, transformando-os em prioridade universal em todos os momentos, qualquer que fosse o caso.
Se assim aconteceu, é possível que os filhos assumam que este é o paradigma da relação – disponibilidade, total e absoluta dos pais para todas as suas necessidades em todos os momentos, qualquer que seja a idade de uns e de outros. É possível que os filhos, que cumprirão para sempre esta condição (de filhos) mesmo que o paradigma familiar se altere, e que não foram notificados, nem houve nenhum momento, nenhum evento que marcasse a alteração dos pais que passaram a esperar agora alguma inversão relativamente ao padrão habitual, continuem a fazer, com naturalidade o que sempre fizeram, como sempre fizeram.
Têm sido pais angustiados que comigo têm partilhado esta situação não compreendendo que os seus filhos apenas estão a dar continuidade ao paradigma instalado. Nunca em momento nenhum do passado os pais mostraram aos seus filhos que às vezes a sua prioridade eram eles próprios. Nunca os pais mostraram que a sua felicidade era tão importante como a dos filhos como seres autónomos. Nunca os pais ensinaram aos filhos como queriam ser tratados, como mereciam ter também prioridades próprias, destacadas das necessidades dos filhos.
Não pretendo de modo nenhum julgar pais ou filhos. Pretendo apenas levar-nos a pensar sobre a nossa intenção como humanos, como seres relacionais e sobre o que nos leva a agir como agimos – Crenças? Autoestima frágil? Expectativa de obter retorno? …
Devemos colocar o nosso foco no que está a acontecer e no que gostávamos que acontecesse para que possamos ter pistas sobre o que podemos mudar, caso queiramos, para ter resultados diferentes.
Quando convido a colocar o foco no que está a acontecer, refiro-me concretamente à forma como cada um de nós age, às intenções que definiu para si em relação à sua família, às escolhas que faz e à forma como define e activa os seus limites.
Há um momento em que os nossos filhos deixam o ninho, constroem o seu próprio ninho e, essa altura, é uma boa altura para revisitar, construir pela primeira vez as nossas intenções ou actualizá-las tendo em conta o presente, a consciência de quem somos e de quem queremos ser, sem cada um de nós se esquecer de algo fundamental: “Eu também mereço!”