Sou pela paz, pela confiança, pelo bem maior, pela comunhão, pela comunicação, pela cumplicidade, pelo piscar de olhos, pela troca cúmplice de mensagens verbais, não verbais e paraverbais, pela motivação própria e alheia, pela compaixão, pela aceitação e pela contribuição líquida para um mundo melhor, pela felicidade dos meus filhos e pela minha!

Existe em toda a literatura, em todas as publicações, emissões de rádio e tv a recomendação para que os pais divorciados se entendam, para que tenham uma boa relação pelo bem universal dos filhos e tudo isso me parece bem, adequado e necessário!

Defendo a harmonia e a paz, defendo o exemplo e a boa convivência, no entanto, às vezes, só às vezes e como último recurso, o bom exemplo é a não cooperação e a não convivência, a não aceitação, a não retribuição (positiva ou negativa), melhor ainda… o bom exemplo é a cooperação e a convivência com a forma como a vida e os outros cujo comportamento não controlamos nos surgem, a aceitação de que existem coisas que não queremos para nós e que devemos largar onde estão, pois não nos servem, e a retribuição ao Universo de toda a compaixão de que dispomos, pois acredito que todos fazemos o melhor que podemos com os recursos que temos.

Há inúmeros livros e manuais que ensinam, inspiram e indicam como devemos estabelecer uma relação significativa e exemplar com a outra metade do contrato que firmámos formal ou informalmente e, de onde, a bem da eternidade do mesmo, nasceram os filhos, quando a eternidade se esgota e a alucinação a que chamamos realidade se chama divórcio. Não há, que eu conheça, manuais, livros, documentos, vídeos, youtubes, blogs que nos inspirem quando o contrato descontratado revela uma realidade nunca antes alucinada e com a qual não sabemos lidar.

Conheço inúmeros casos de pessoas, todas elas excecionais, que revelaram uma parte de si insuspeita quando, por diversos motivos, ao ativarem da melhor maneira que puderam os recursos que tinham disponíveis, após o divórcio, agiram de forma que, para o outro contratante (leia-se – ex-cara metade, ex-metade do casal) seria impensável vir a acontecer.

Para além de todos os epítetos acima referidos, por que escolho pautar a minha conduta, acredito na parentalidade consciente como filosofia de parentalidade que se estende a toda a vida vivida com filhos, à volta dos filhos, dentro dos pais e no mundo em geral e, como tal, e porque já senti dificuldade em lidar com uma realidade nunca antes alucinada, pensei que poderia ser útil a outros pais partilhar as minhas alucinações de dias em que a realidade me parecia improvável.

Aumentar a universalidade da consciência é sempre o primeiro caminho a seguir. Com universalidade de consciência quero dizer observar de forma pura (o mais pura possível – o mais livre de preconceitos e outros filtros) o que está a acontecer, para que o que concluímos da nossa observação seja tão verdade para nós que estamos envolvidos emocionalmente, como para qualquer outra pessoa que veja de fora.

Conquistar uma dose significativa de consciência universal é, no início, a fase mais difícil, pois, ou ainda estamos em negação e não acreditamos que o que está a acontecer é real, ou estamos entusiasmados a destilar uma emoção cheia de químicos inebriantes que não nos deixa disponíveis para o não julgamento e alimentam a raiva e outras emoções pouco possibilitadoras para encontrar solução para tão grande desafio.

Algures no tempo, com uma forte dose de compaixão por nós e pelo outro, será então possível observar o que se passa, o que podemos, nós ou qualquer outra pessoa, observar. Invariavelmente, nestes casos, vemos pessoas que de uma forma desajeitada se afastam do caminho que lhes traria mais felicidade, por agirem mais por medo do que por amor. Acredito que alguns pais divorciados que aprenderam também por pais bem intencionados, amantes e demonstradores desajeitados de amor pelos filhos, replicam modelos pouco interessantes na busca da sua felicidade e da de quem os rodeia.

Quando ganhamos distanciamento suficiente para ver as coisas pelo que são e não pelo que significam para nós, temos várias linhas de aprendizagem possíveis:

  • Podemos investigar, sem julgamento, como escolhemos a outra pessoa para connosco partilhar o projeto chamado “Filhos”.

 

O que tivemos em conta? O que não tivemos em conta? Como foi? O que sabíamos sobre o outro? O que sabíamos, verdadeiramente, sobre o outro? Conhecíamos os seus valores? Sabíamos a medida da sua flexibilidade? E da nossa? Partilhávamos dos mesmos objetivos? Estávamos dispostos a amar incondicionalmente? Qual era a nossa intenção? E a do outro?

 

É possível que seja importante, nesta fase, revalidar as nossas intenções enquanto pais, verificando em que medida estamos de forma consciente a mostrar aos nossos filhos formas de terem pistas sobre quem eles próprios são na sua essência, quais os seus valores, o que os move, e por aprenderem a conhecer-se acredito que lhes estamos a entregar ferramentas para conhecerem o outro e procurarem uma sintonia profunda, sendo que, eventualmente, um dia, também eles farão as suas escolhas e terão os seus filhos.

 

  • Um desafio desta dimensão, em que sentimos que a pessoa com quem escolhemos ter filhos tem valores, comportamentos e um mapa do mundo substancialmente diferentes do nosso, permite-nos, ao reconhecer e respeitar os nossos limites, ensinar lições fundamentais aos nossos filhos, por nos respeitarmos.

 

Podemos neste caso mostrar claramente que podemos respeitar as outras pessoas mesmo que desaprovemos os seus comportamentos e que ao estabelecermos os nossos limites ativando conscientemente as nossas intenções estamos a proteger os nossos filhos o melhor que sabemos e podemos em cada momento com os recursos que nós próprios temos disponíveis.

 

  • A aprendizagem da flexibilidade e da aceitação é elevada a um nível impensável e constitui um desafio que muitas vezes se afigura de dimensão hercúlea.

Apesar de termos ativado toda a nossa objetividade na análise da situação e de nos focarmos no que realmente está a acontecer, de cada vez que somos confrontados com um comportamento que colide com os nossos valores, é provável que luzes vermelhas se acendam na nossa mente e que nos levem a esquecer o nosso principal objectivo – transformar a realidade em aprendizagem -, uma vez que não queremos enquadrá-la na caixa onde guardamos os componentes da felicidade, aprendo com ela e treino a flexibilidade e a gestão das minhas emoções, proporcionando mais uma vez aos meus filhos a possibilidade de modelarem o comportamento.

 

Ao escrever este texto tenho em mente alguns pais e mães concretos, que comigo se cruzaram e que comigo partilharam a necessidade que sentiam em encontrar um caminho para lidar com o outro quando o outro não se enquadra na possibilidade da cordial convivência, e, principalmente, a necessidade que sentiam de encontrar um caminho que os apaziguasse e que lhes devolvesse discernimento sobre quem podem ser neste contexto, ativando os seus valores e a sua identidade.

 

Muitos pais divorciados, no supremo interesse dos filhos, encontram forma de se relacionarem e mostrarem que, com todas as diferenças, é possível comunicar de acordo com as regras habituais da comunicação. Outros há para quem a comunicação ainda não passa pela fórmula habitual e que no caminho de aprendizagem da gestão das suas emoções e de relação com o contexto, a melhor forma que para já encontram é a que é, é a melhor possível, é a que existe. O que se pretende, o que penso que todos nós pretendemos, é encontrar formas melhores de nos relacionarmos com a realidade. Termos consciência do que temos e do que gostaríamos, honesta e verdadeiramente, de ter pode ser “o” passo fundamental para encontrar um nível de equilíbrio mais interessante a caminho do que pode ser e ainda não é.

2018-03-22T16:37:51+00:00